dia 2


Hoje chove torrencialmente, logo quando toda cidade está parada, e com certeza qualquer um chegaria ao seu destino mais rápido a pé do que de carro, eu tenho almoço com meus amados amigos imaginários, o Tico, o Teco e a Luluzinha, esperava ansiosamente por esse almoço, brincadeira, na verdade tenho médico que esta marcado a 2 meses e com certeza não vou remarcar, para melhorar é o único médico de São Paulo, acho que do Brasil que não se atrasa, pura sorte, faltam 2 horas para consulta e lá estou eu saindo para fazer um caminho que demoraria no máximo 30 min.
Câmera lenta...devagar, está tudo tão lento que a qualquer momento acho que tudo vai começar a andar para trás, os carros, as pessoas até a chuva, em vez de cair vai começar a subir, pessoas não, porque na à somente carros, geralmente com um único ocupante e a chuva, sem ambulantes ou carrinhos de cachorro quente, menos ainda o amontoado de pessoas se esbarrando tentando achar um espaço nas calçadas do centro de São Paulo todos os dias, as lojas sim, essas estavam cheia de transeuntes que foram pegos de surpresas e não tiveram coragem de se arriscar.
No radio o reporte tentando achar uma solução razoável para tanta confusão, escolha obvia, o prefeito, o governador, o presidente e por ultimo, sem por ultimo, já tem os culpados de sempre e não vale outas especulações, é sempre a mesma coisa, na época do verão chove muito, o transito para e a cidade fica toda alagada e sem esquecer dos desmoronamento, as vidas perdidas em vão, sem um aprofundamento ou uma discursão séria sobre o assunto, a culpa do prefeito, governador e presidente, todo ano nessa precisa ordem.
O tempo passa, o transito não anda e já estou perdendo a esperança de chegar a tempo, de repente hoje ele pode estar atrasado, quem sabe?!
Tem uma família em baixo de um viaduto, da pena de ver, todos em volta de uma fogueira muito pequena, tentando afastar o frio, em vão, aquela fogueira não derrete nem marshmallow, o que mais me chamou atenção foi a menina, ela deve ter uns 9 anos e um olhar tão vazio, tive a impressão de estar olhando uma boneca de porcelana com olhos de vidro, como se a vida não valesse mais a pena, tão nova e triste. Ela não saiu da minha cabeça, todos os meus pensamentos agora eram dirigidos a ela, qual é sua historia? Como chegou naquela situação? Aqueles são seus pais?
Até que enfim no meu almoço com o Tico o Teco e a Luluzinha, parece estranho, mais essas consultas com o Dr. Ortonico é praticamente minha única atividade social e gosto de imaginar que estou indo almoçar com meus amados amigos, podemos disser que o almoço foi pontual, consegui chegar na hora e não tem nenhuma novidade horrível, no geral foi bom, só tenho que fazer alguns exames, não sei porque mais desde de pequena achei que clinicas laboratoriais são como festas americanas, tem comida a disposição numa mesa mal decorada, péssima musica  e pessoas estranhas. Oba!!!! Festa.
Em frente ao computador, a grande tela em branco, hoje menos assustadora por causa da menina do viaduto, de tanto pensar nela tinha bastante coisa para escrever e sabia como começar, e posso dizer, humildemente, impactante.
“Tudo começa no começo. Minha historia começa no sertão nordestino, onde quase tudo morre antes de nascer, a cidade se chamava Boi quase cansado, diziam que ele era quase cansado porque morreu antes, sempre achei que esse comentário trazia má sorte, nunca trocaram o nome, eu sugeri Sol alegre, ninguém ouviu, o nome realmente trouxe má sorte porque quando tinha 5 anos teve a maior seca que essa terra já viu.
Foi nessa época que meu painho desesperado, tinha mais 6 filhos, me entregou ao meu tio trambiqueiro Jose, eles sabiam que meu tio não era coisa que prestava mas não tinham opção, se eu ficasse passaria fome com painho, mainha e meus irmãos, indo para São Paulo eu teria uma chance, de repente de estudar, isso é que me fez suportar tudo, a certeza do amor incondicional de painho e mainha, de que minha vida é melhor aqui do que em Boi quase cansado.
Quando cheguei em São Paulo, nossa, não tenho palavras para descrever, os prédios, os carros, os barulhos, tudo tão lindo, foi amor a primeira vista, o problema começou quando conheci a Josilda, pedinte, namorado ou esposa do meu tio trambiqueiro Jose, e seus filhos Ricke Martim da Silva e Jeque kenedi da Silva, ela até era legal mais ele vive me batendo, eles moram numa casa de compensado e papelão, uma casa não, no máximo uma caixa.
Todos os dias se tornaram o mesmo, acordamos cedo e tenho que agradecer se há algo para comer, vamos sujos para o centro pedir dinheiro nas avenidas largas e engarrafadas de São Paulo, almoçamos o que encontramos no lixo, vamos para casa, a noite eu passo chorando baixinho a saudade que tenho de  meu painho e de minha mainha.
Painho, mainha, mainha, painho...”
Não acredito que não consigo escrever mais nada, cadê as historias lindas e triste que passaram na minha cabeça o dia inteiro, não passam de pensamentos perdidos se não consigo colocar no papel, é nisso que minha vida se resume, esquece, vou passear, a noite está linda e amanhã é um novo dia.

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