Dia 1

Disse que podia, falou do lindo dia, disfarçou olhando o nada, no fundo não queria. E eu, esperançosa, fiquei aqui parada, sob chuva estrondosa, procurando entre guarda-chuvas errantes aquele que me traria você. Traria o prometido, o combinado, traria você todo embrulhado, embrulhado de amor e de carinho.
Hoje acordei inspirada, por assim dizer, meio inspirada, pelo menos escrevi algumas poucas palavras decentes, frases de futuros, talvez um início de conto, de repente um livro. Um dia feliz, definitivamente, o sol brilha lá fora, os passarinhos do vizinho cantam saudando minha meia inspiração. O cheiro do feijão se espalha pelo prédio, anunciando que a hora do almoço se aproxima, horário solitário, me lembrando que já faz um tempo eu não tenho companhia, do meus almoços vazios, triste as vezes vou no restaurante da esquina simplesmente para não comer sozinha. Vamos mudar de assunto. Afinal, hoje é o início de uma nova vida, rascunhos de um futuro como escritora, uma vida menos sozinha.
Desci até o play. Decidi que esses dias têm quer ser aproveitados. O calor do sol sobre a pele, aconchegante, ameniza o frio de São Paulo. O barulho das crianças brincando, os velhinhos jogando cartas, as babás fofocando sobre o que aconteceu na novela, o novo amante da moradora do “33” [ela é especialmente barulhenta, o prédio todo ouve seus gemidos]. Como a gente sabe que é amante? Bem, é só sair o pobre bombeiro para mais um dia salvando vidas, que entra o bombeiro hidráulico, pra dar um trato no encanamento dela. Esse é especialmente bonito. Até eu gostaria que ele tratasse do meu encanamento. O play respira vida, todo esse barulho de gente, tão bom, me faz sentir pertencendo a algo maior, pertencendo aquele grupo, mesmo sendo só como espectador.
Não sei se foi a fome ou o TIC TAC do relógio, mas o dia perdeu o brilho. O sol, de repente, não era mais tão aconchegante. Queimava, mas não aquecia. Crianças passaram de brincalhonas à mimadas e mal-criadas. Como elas têm fôlego!!! Impressionante!!! Não param, ficam entre correr, cair e chorar e berrar e brigar. Mas, o que mais me irrita são essas babás. Elas não têm mais nada de útil pra fazer do que ficar falando dos outros? Sabe de uma coisa, vou pra casa.
Almoço feito, sesta realizada, filme assistido, tarde passada, hoje, que estou inspirada, vou tentar mais algumas linhas. Puro engano, fiquei sentada durante horas, apagando as frases que não diziam nada. Hoje, pelo visto, só saíram poucas linhas que, afinal das contas, não dizem nada, só fala sobre uma mulher que espera.

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